Quando era bem menino aos seis anos ou perto, soube que meu avô Ibrahim era religioso por princípio, e não exatamente por praticar o culto religioso tal como meu pai David, seu filho primogênito. Meu avô Ibrahim, antes de mais nada, tinha princípios éticos e estéticos na sua postura imponente e rígida. Ele era conhecido como um gentleman e ostentava uma refinada verve judaica de origem Síria. Vestia um impecável terno que lhe caía muito bem, sempre elegantemente acompanhando com colete e gravata. Os tecidos dos ternos eram do mais refinado tweed inglês e corte sob medida feito certamente por um escolhido entre os melhores alfaiates do nosso bairro na cidade do Cairo. Meu avô era de incontestável autoritarismo perante o respeito que impunha aos seus sete filhos. Ele não escondia sua imponência ao olhar e com o vocabulário sempre na língua árabe egípcia com certas conotações em jargão sírio. Este jargão sírio dava mais ênfase ao autoritarismo cultuando suas raízes históricas. A elegância do seu porte, olhar, raro e discreto sorriso eram mais expressivos na companhia dos seus netos. Me pego várias vezes relembrando meu avô em fotografias em preto e branco que guardei entre poucas lembranças trazidas do Cairo. A desorganização ou até mesmo a pressa com a qual a minha família teve que abandonar seu passado, pertences e vivências, fez com que as fotografias,apanhadas dos armários e gavetas às pressas fossem acumuladas numa maleta de couro de estrutura firme de cor marrom em tom café com cantoneiras metálicas.
Meu avô Ibrahim completava seu ar austero com um chapéu chamado tarbuch que impunha exigência de respeito e liderança absoluta.
Não lembro do meu pai David, primogênito nem seus demais irmãos terem a ousadia de se assemelhar ao imponente pai no uso de tal adorno turco chamado tarbouch que tinha ares de coroação mais do que formal. O tarbuch, tirado ou não, sem esconder seu autoritarismo imponente, me transmitia também o seu afeto de “nôno” como era apelidado com doçura na nossa numerosa família. Quando meu avô Ibrahim e avó Louna deixaram seus sete meninos órfãos, meu pai, o primogênito, se referia aos seus seis irmãos com a expressão “les enfants” tal como minha mãe sempre foi mãe comum discreto e intenso amor por uma família de um patriarca e seus sete meninos.
Fica esta memória resgatada, um texto escrito e arquivado desde julho de 2017, sendo um preâmbulo de um texto escolhido e acolhido e complementado por Nessim Hamaoui, com o título “Judeus do Egito 70 anos de Exílio” com capa com arte de Camille Fox (Austrália) e design gráfico sobre o quadro de Camille Fox, realizado por Marcelo Douek.
Sami Douek
10 de março de 2025